Z,
Estava pensando como as coisas são engraçadas, o quanto somos prisioneiros de nós mesmos. Até ontem eu lembro que você odiava tecnologias, que você se alimentava de poesias e músicas...e eu achava legal...era bacaninha ver sair dos teus dedos ( mesmo que na virtualidade ) palavras que garantiam sabores e cheiros. Na hora da necessidade eram as tuas palavras postadas que alimentavam dias. Em cada parágrafo a gente caminhava entre janeiros e setembros sem perceber. E era bom. Digo era pelo simples fato de as coisas – sem grifos – tomarem proporções à tempo desconhecidas. É que você odiava tecnologia, Z. E que bom que as opiniões mudam. O problema é quando o mudar de opinião sugere, na desordem dos nossos dias, mudança do status de pessoa.
Sabe, quando vejo você na Rede fico imaginando o que te alimenta agora. É como se esculpisse a minha frente uma outra criatura humana, alguém que imaginava conhecido. Sabe aquele sujeito que você coloca na caixinha de lápis de cor e tem absoluta certeza que ele seria capaz de pintar um arco-íris inteiro sozinho? Sabe alguém que você compreendia sensível e inteligente demais para saber quantos calos povoa o pé de uma devota em procissão de interior? Pois, era em você que eu depositava estas certezas. Era...e mais uma vez repito era sem medo de erros.
Hoje sou eu quem temo essa virtualidade, sou eu que me permiti desacreditar no Outro a partir dela. Não se pode pensar que o outro que te abraça seja um e o outro que fala contigo através da película fria do computador seja completamente diferente. É como se você nunca fosse um texto capaz de ser traduzido e, portanto, compreendido. Isso não é legal. Pessoas são textos e por mais difíceis que sejam precisam de tradutores. Olha Z., estudei muito para aprender traduzir pessoas e...percebi em você leitura vã.
A palavra precisa SER respeito. Precisa SER vida. É a partir dela que somos traduzidos e por ela, às vezes, modelados. Sabe aquele livro que se mostra na bandeja querendo ser devorado? Assim somos nós … e não é uma ato de sedução pagã, longe disso, é um movimento de conquista. Precisamos ser desejados na mesma medida que somos desejosos e desejantes. Não é uma escolha para seduzir ou encantar. No ato de sedução e encantamento há sempre uma porção que não é nossa, existe sempre um eu de quem vê sobre nós. Precisamos que outros traduzam-nos porque nos mostramos e não porque seduzimos. O simples e corajoso ato de mostrar-nos já diz muito de nós.
O ruim Z. é que o ato de mostrar nos revela. E eu confesso que preferia te ver palavra escondida entre cantos e poesias que te traduzir um outro sujeito humano através da virtualidade.
Mas nem estou tão triste assim com você. Deixa eu te contar uma coisa. Estou feliz. Estou gostando muito de um alguém. E foi através da virtualidade que comecei a traduzir outros textos – claro que com outro contexto, não como o nosso. O nosso era hospede apenas na casa da amizade. Agora não, agora garimpo coração, agora vasculho joia rara. E não estou seduzindo...também não estou me mostrando. Essa tradução vai além. Agora sou alma noutro corpo e isso é bem mais que se mostrar.
Amores pra você, Z.
Fica bem.
Junior Maia
